sábado, 15 de fevereiro de 2025

descoloniza a língua

descoloniza a língua
fala o que tu é de verdade
sem se preocupar com forma e disfarce

arte não precisa ser arrumadinha como eles querem não

arte é cultura crua
cultura é tudo
o pão que tu come de manhã, o bom dia que tu dá, o bom dia que tu não dá, até teu jeito de caminhar. 
cada movimento
escolha e consequência 
de cada ser humano
político
querendo ou não
ou melhor...
sabendo ou não.

viver é perigoso
educar é mais ainda

já que pode te libertar e te tornar consciente
ou te aprisionar mais fundo fazendo tu achar que ninguém tem valor
além do valor de mercado
que só consumir é que faz sentido numa vida sem gosto de vida.

o que tu ganha é o que tu é.
o que tu tem é o que te faz gente
nesse mundo de aparência besta.

(o sal vem do mar 
dona Janaína
mãe d'água 
deixa eu começar mais uma vez)

arte é tudo que tu é aí dentro
vivo ela instável
de temperamento nem sempre agradável
abandono ela quando me abandono
em geral sem perceber direito o que tá acontecendo

escrevia, daí já não escrevia mais.
ainda que de pausa em pausa ela sempre volte.
e sempre mais forte.

tô aprendendo a respeitar o ciclo inconstante que vivo

uma hora tô ali fluindo fazendo
aí de repente esqueci como faz

tipo adormecer despreparado
acordar no susto atordoado e atrasado
pro trabalho que mal sustenta
a alma, o espírito, a vontade
sabendo que tem tanto que é de veerdade a ser feito

tem toda uma matriz de linguagem
te prendendo os neurônios em cada preposição
em cada autocorreção
em cada crítica que tu faz de cada palavra que sai da tua boca e da boca dos teus irmão

ouve bem:
nóis fala do jeito que nóis quiser
e num é bem por querer não...

é só por ter nascido num lugar qualquer
que vale tanto quanto qualquer outro lugar que fale de tantos outro jeito

ao mesmo tempo importante e desimportante
nem maior nem menor do que nada

é só diferente
e isso é tão simples
falar difícil pra convencer quem de que se é o que num se é?

começa na língua o processo da tua dominação
e se perpetua na prática social

"nóis" é só a gente mudando o jeito que a gente fala.
pra ficar mais bem falado, saca?

um dia "vossa mercê" virou "você" que virou "cê".
um dia esse mesmo "você" foi motivo de graça pra quem só queria a tua desgraça. 
minha vó tomava café com "açucre", e que saudades.
enriqueçamos a língua. sejamos neologistas de si mesmos. criadores do próprio universo de fala e dos próprios caminhos.

a regra que tu, 45, fale como 11 ou como 21
igual na tua metrópole local
porque a metrópole real tá a um oceano de distância
e dividiram nóis entre eles
como se nóis nada fosse

______________________________________

como se por falar nóis,
nóis fosse qualquer coisa menos que nóis
e nóis manda bem demais se nóis quiser.

cansou de nóis?
desfaz eles então
nó vira laço 
que vira corda 
que vibra vida.

e lembra que, na real, são linhas tortas escrevem certo por Deus.

falo e falo, mas sou também só uma circunstância do que fiz pela vida.
estudei que a língua brasileira se chamava língua portuguesa.
estudei que um dos principais pontos que une uma nação é a unidade linguística
percebi mais tarde que essa é uma das maiores ilusões em que eu já botei fé.

"botar fé". bote mesmo. coloque. ponha a fé onde quiser.

a unidade é local, não global.
somos um planeta de gente e de língua. 
que é viva e nunca se pretendeu bonita.
quem faz a beleza de falar é quem fala,
não quem escreve a "Moderna Gramática Portuguesa".

pros infernos com essa dominação sutil.
meu discurso, nem sempre sutil, mas sempre orientado
por aqueles que entenderam a simplicidade do falar
grande Freire, Ribeiro, de rio de água de palavra que conecta.

que haja conexão.
a única razão da palavra existir é conectar.
religare.

quem sabe não estamos aqui apenas pra mudar as palavras tanto a ponto de um dia não precisarmos mais delas. conecta, conecta e conecta até que não seja mais possível desconectar.

pega cada palavra configurada pelos detentores dos teus grilhões
das corrente que te prendem no chão
e fala elas como tu quiser
porque esse negócio de se aceitar começa pelo que te liga aos teus irmão: comunicação.

tuas palavras não existem pra te fazer falar bonito
elas existem pra te fazer se conectar

e, sinceramente, no momento eu tô meio perdido das palavras.

o que sou
não sou
vou ser
o que fui,

de que problema sou meu próprio criador?
de que problema sou refém?

paradoxo.
entre-lugar.

ansiedade que me corrói 
quando percebo que, pra realidade
cada palavra é um degrau
pra ascensão social.

no mesmo mundo em que tanto se fala em aceitação
a práxis me diz que a gente é tudo refém
de propaganda em vídeo curto em rede social
de precisar de moeda de troca pra conseguir existir
pra ser o humano que querem que tu seja.

ascensão real é abraçar, aceitar e respeitar 
tuas próprias palavras,
que vem dos teus próprios pensamentos
que tu nem sabe se são teus.

o cérebro é um mar de cor e som
o que tu vê e o que tu ouve
te transformam na tua condição.

de repente eu me calei
quando percebi que nos últimos tempos eu cedi
pra minha própria mente
pra tudo que eu escrevo que não deveria fazer

"no começo era o verbo"
cheguei aqui sem saber bem o que ia falar
aí fui dizendo
se pensei, falhei
se falei, exitei.

mas não aquele hesitar de parar, travar, não saber por onde ir.
tô falando de hesito, de conseguir, quando nem precisava falar.

ah, a língua brasileira é linda
ela canta, dança e inventa o que quiser.
pega verbo, substantivo e adjetivo e faz da língua samba.

hesitar e exitar são a mesma coisa e ao mesmo tempo um não tem nada que ver com o outro.
se eu hesito, eu travo.
mas se houver êxito, eu consigo.

veja bem:
"mê vê" um pouco de paciência.
"caiu a ficha" quando eu percebi
que "cada macaco no seu galho" 
é a pragmática em ação.
e se "na casa do ferreiro o espeto é de pau".
é porque o ferreiro tá ocupado demais fazendo o espeto encomendado.

não vou citar autor não
porque você precisa tomar a autoria nas suas próprias mãos.
ainda que o mundo te frustre.
ainda que pareça que o que tu faz não significa nada.

ainda que a teoria e a práxis residam a mares de distância.
ainda que eu, enquanto professor, me ache uma farsa enorme.
ainda que o desespero bata na minha porta em tantas manhãs
acordadas sentindo que a escola é uma manutenção do trabalho e não do ser humano.

é muito estranho ser professor, estudar e cansar de tanto citar autor e fazer referência ao que não fala daqui.

preciso de palavras reais. a conexão real vem com o que tu diz, que, ainda que seja delimitado pelo que tu já ouviu ou leu. não quero saber de pretensão. quero saber da humildade de fazer das próprias palavras ponte, pra chegar de uma pessoa até outra pessoa.

"pega a visão": "se é macumba não chuta não".
laroyê, meu protetor.
"respeito é pra quem tem".

e eu nem sei se tenho,
respeito pelos outros é mais fácil
do que respeito por si
por eu mesmo que volta e meia recaio
em questionar tudo que me faz eu.
em me sentir inválido 
mesmo sabendo que invalidado eu fui por mim e pelo que me formou.

que coisa doida viver esse paradoxo de se reconhecer enquanto vontade de existir e ao mesmo tempo enquanto ser hesitante, desses que param e não seguem adiante. 

apesar de tudo isso: o movimento não para. quem para de vez em quando são as palavras que fluem por meio de mim.

não sei se essas travas são por causa do passado que vivi 
ou porque vivo de um presente isolado
tentando disfarçar o que vim aqui de verdade pra falar
com palavrinha bonita que não serve nem pra enfeitar o altar,
onde agradeço e peço, 
por um mundo melhor, 
    por dias de paz, 
        e também por conseguir lutar até entender, até aceitar, que é preciso confiar 
                                                        e não ter medo.

porque medo, esse é o contrário de fé.
e não há meia fé.

ou há fé
ou há medo

essas duas não se confundem em encruzilhada nenhuma.

"quem tem fé tem tudo, quem não tem fé não tem nada."

e eu, mesmo com a minha fé, de repente acordo num dia qualquer e concluo que nada tenho, que não sou, que nada valho.

atormentado pelas mesmas palavras que eu tanto estimo.
silenciado por eu mesmo em cada troca.
convencido, caído, mas pra logo me levantar.

"pra boa palavra, meio entendedor basta".
então diz o que precisa, e fala o que puder.

....................

VERSÃO SLAM

descoloniza a língua
fala o que tu é de verdade
sem se preocupar com forma e disfarce

arte não precisa ser arrumadinha como eles querem não

arte é cultura crua
cultura é tudo
o pão que tu come de manhã, o bom dia que tu dá, o bom dia que tu não dá, até teu jeito de caminhar. 
cada movimento
escolha e consequência 
de cada ser humano
político
querendo ou não
ou melhor...
sabendo ou não.

viver é perigoso
e educar é mais ainda

já que pode te libertar e te tornar consciente
ou te aprisionar mais fundo fazendo tu achar que ninguém tem valor
além do valor de mercado
que só consumir é que faz sentido numa vida sem gosto de vida.

arte é tudo que tu é aí dentro
vivo ela instável
de temperamento nem sempre agradável
abandono ela quando me abandono
em geral sem perceber direito o que tá acontecendo

escrevia, daí já não escrevia mais.
ainda que de pausa em pausa ela sempre volte.
e sempre mais forte.

tô aprendendo a respeitar o ciclo inconstante que vivo

uma hora tô ali fluindo, fazendo
aí de repente esqueci como faz

tipo adormecer despreparado
acordar no susto atordoado e atrasado
pro trabalho que mal sustenta
a alma, o espírito, a vontade
sabendo que tem tanto que é de verdade a ser feito

tem toda uma matriz de linguagem
te prendendo os neurônios em cada preposição
em cada autocorreção
em cada crítica que tu faz de cada palavra que sai da tua boca e da boca dos teus irmão

ouve bem:
nóis fala do jeito que nóis quiser
e num é bem por querer não...

é só por ter nascido num lugar qualquer
que vale tanto quanto qualquer outro lugar que fale de tantos outro jeito

ao mesmo tempo importante e desimportante
nem maior nem menor do que nada

é só diferente
e isso é tão simples
falar difícil pra convencer quem de que se é o que num se é?

começa na língua o processo da tua dominação
e se perpetua na prática social

"nóis" é só a gente mudando o jeito que a gente fala.
pra ficar mais bem falado, saca?

um dia "vossa mercê" virou "você" que virou "cê".
um dia esse mesmo e "correto" "você" foi motivo de graça pra quem só queria a tua desgraça. 
minha vó tomava café com "açucre", e que saudades.
enriqueçamos a língua. sejamos neologistas de si mesmos. criadores do próprio universo de fala e dos próprios caminhos.

a regra é que tu, 45, fale como 11 ou como 21
igual na tua metrópole local
porque a metrópole real tá a um oceano de distância
e dividiram nóis entre eles
como se nóis nada fosse

"no começo era o verbo"
cheguei aqui sem saber bem o que ia falar
aí fui dizendo

a língua brasileira é linda
ela canta, dança e inventa o que quiser.
pega verbo, substantivo e adjetivo e faz da língua samba.

veja bem:
"mê vê" um pouco de paciência.
"caiu a ficha" quando eu percebi
que "cada macaco no seu galho" 
ainda precisa da árvore em pé
e se "na casa do ferreiro o espeto é de pau".
é porque o ferreiro tá ocupado demais fazendo o espeto encomendado.

é não esquece que
se pá,
são as linhas tortas que escrevem por Deus.


 

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