B de confusão
perdi as contas de quantas vezes na vida fiquei perdido sobre o que eu tava sentindo fazendo sendo digerindo
quando era criança
chegar perto de menina tudo certo
de menino só se fosse pra agir como se tivesse algo a evitar
ofender mostrar quem manda e quem obedece
B de meu azar foi ser uma criança pequena
ou B de benção? acabei nunca jogando esse jogo por cima
e aí acabei nem querendo depois
e achando isso tudo uma merda
bullying foi meu sobrenome por tanto tempo
que entre meus 7 e 9 anos eu literalmente não lembro
de nada além da dor de existir na escola
apesar de uma família tranquila
minha mente apagou todo o resto
quando olho lá pra trás
sinto só um gosto indigesto
B de é lá bem lá atrás que todo certo e errado se forma
depois a vida é passar tentando resolver tudo os BO
programado no inconsciente sem dó
menina com menino na dança da festa junina
pegar na mão das meninas? tudo certo
dos meninos? "coisa de viadinho"
encostar nos meninos só se fosse no "hoje não"
com a violência que mais tarde é transtornada em violência contra as mina
e amor recalcado pelos parceiro de roda de bar
em que se odeia quem não se enquadra
já que se um precisa se esconder
ai de quem se atrever a viver
a sentir, a se permitir, a desejar o que se deseja
a repressão de qualquer afeto diverso na descoberta do desejo
se torna raiz profunda e doente
por dentro só a fragilidade do desconhecimento de si
muito antes
já se consolidava no inconsciente
que num tipo de ser humano se podia tocar
no outro tipo só se fosse pra esculachar
reforçar seus armário em construção
lá no fundo da mente
pra depois que crescer não saber o que fazer
achar que viver é desejar possuir
produto, coisa, bicho, gente
e aí tamo aí
tudo fudido num mundo decaído deprimido ansioso até o talo sem saber o que fazer ser esperando o que vai acontecer o que vão fazer de você quando não tiver mais botão pra apertar engrenagem pra girar trabalho pra trabalhar alguém pra enriquecer caralho será que só nascemos pra se fuder?
nah
se não eu nem tava escrevendo isso tudo aqui
não sei qual é
mas vou vendo
ciente de que tem muita coisa acontecendo
B de cultura decadente
fui criança anos 90
momento de país recém parido pela ditadura
é liberdade que vocês queriam?
mercado externo chegou arrombando toda possibilidade de um futuro não colonizado
o tal do pensamento neoliberal
a gente não sabia bem o que era liberdade
mas sempre foi com a cara dela
aí então, ensinaram direitinho como convinha pra quem detém o controle da verdade do capital
"liberdade é liberdade de consumir e ser consumido"
e a infância é só o campo de prática inicial do que essa sociedade cansada quer de você
a ironia de viver escondido
B de banido do paraíso que isso tudo podia ser
B de aprende cedo:
vai crescer
consumir
formar família
consumir
ter filho
consumir
arrumar trabalho
ser consumido
e esperar a sua vez de morrer
consumido da pele aos ossos pelos vermes que te aguardam
na fome de acabar com essa babaquice toda que essa porra se tornou
B de 1988, sou da geração filha da constituição, do começo da internet e de sonho comprado a prazo pra um futuro inexistente
B de nesse quadrado quase ninguém se encaixa
mas todo mundo tenta
porque "é o jeito, tem os boleto tudo pra pagar"
fora disso é perigoso
ou um lado ou outro
escolhe
e aí eu escolhi até perceber que eu num escolho é nada
vai acontecer o que for pra acontecer
agradece se tu tá em movimento
até sua ação depende do que fizeram de você
e isso inclui atração e a sorte de se permitir perceber
de repente
um dia fiquei sabendo que existia uma tal de letra B
B de fronteira entre aqui e lá posicionado sem lugar pra sustentar essa vida toda de desentendimento
de quebrar a martelada o armário em que eu não mais me encaixava
B de passei tanto tempo me confundindo com as letra tudo
mas hoje tô calejado de tanto fazer revisão
de tanto ficar tentando ser só o que sou
acabei sendo,
e vou ainda revendo
B de cautela eterna pra não me tornar o que não vai ajudar
B do que eu quiser
raiva desgosto com esse mundo escroto
ou da suavidade de um dia começando com café
de final sem rima até
ou com ela pra adocicar
esse gosto amargo de ter demorado tanto pra perceber
que viver
devia
ser
só o que se é.