Versão Slam
rio que deságua em solo árido
chão que te tomou faz tempo o que tinha de vida nas vista
solo sangrento
história apagada
dilacerada, disfarçada de
"aventura"
"desbravamento"
"descobrimento"
piada pronta e nojenta
ódio aflorado no hoje
na consciência desperta
cada irmão morto me deixa mais no veneno
depois de tudo as mordida dessa cobra de nome cascavel
todo lugar onde aqui tu pisa tem resquício de sangue derramado
em prol de um progresso que nunca foi teu
sujeito europeu pisou aqui
pensou
planejou
executou)
qualquer semelhança com o presente é só a roda da história
ainda escorrendo o sangue de quem caiu e cai por baixo dela
é difícil às vezes manter a fé na gente
quando tá aberto o olho cheio de sangue da memória
e se percebe que a vitória é
da violência
derrota amarga
luta incessante
o mesmo sol que brilha hoje brilhou quando caiu
cada corpo violado por cada mão estrangeira
que já tocou nessa terra brasileira
e falar de brasil, mano, chega a ser escárnio
adeus Pindorama, terra farta, de vida, de fluxo, de bicho, de planta e de gente
e também de sangue, suor e lágrima
porque paraíso é o caralho
é terra, planeta e a circunstância toda de ser humano
de ser gente
de ter no peito um coração que
sente)))
chegaram de arrasto, de intenção e propósito claros, brancos
é difícil manter a fé, irmã
na possibilidade de um mundo bom
quando cada grão dessa soja podre
é colhido ao nosso redor pra encher
o bolso de algum arrombado engravatado
o agro é pop só na puta que pariu
aqui o agro é disfarce
pra manter apagada a história que tu nunca viu
tamo tudo derrotado
só que nunca vamos parar de lutar
por quem caiu
por quem viu
por quem resistiu
por quem sangrou
por quem viveu e por quem morreu
e também por quem vive agora.
falam de progresso sem falar no processo,
no extermínio, em cada retrocesso
em cada alma que partiu em nome do sucesso
de quem tá no lado errado da história
e aqui não vai ter relativização/
desde lá de trás, gente da minha família já tirava a própria vida por não suportar existir
nesse lugar em que ou se resistia de cabeça baixa ou já se aprontava pra partir
é história de corda no pescoço, de tiro na própria cara, de desgosto,
de abuso de álcool e espancamento de mulher
que gerou alguém,
que criou alguém,
que deu à luz alguém,
que teve um filho com alguém,
que ensinou alguém
que cuidou de alguém
que virou refém
que foi forte, além da própria sorte
que foi mãe de pai e mãe meus,
que, de alguma forma, se tornaram eu.
e aí de repente,
tô aqui
herdei a cor dos assassino
e herdei a dor do campo de extermínio que essa porra toda foi
eu morro
mas eu morro tentando
fazer disso aqui
um bom lugar
e essa veia aberta eu vou continuar a abrir
até todo sangue derramado coagular
pro que tiver que fluir
poder só desaguar num mundo em que seja possível realmente habitar
viver
florescer
resgatar
terminar
em paz.
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versão completa
movimento
momento presente
começando com mão leve
sabendo que o peso vem sem piedade
bora falar de verdade
o mundo é pêndulo
o humano: equilibrista
rio que deságua em solo árido
chão que te tomou faz tempo o que tinha de vida nas vista
solo sangrento
história apagada
dilacerada, disfarçada de
"aventura"
"desbravamento"
"descobrimento"
piada pronta e nojenta
ódio aflorado no hoje
na consciência desperta
pra que haja mais amor no amanhã
cada irmão morto me deixa mais no veneno
depois de tudo as mordida dessa cobra de nome cascavel
nada disso tá longe do que tu é não, parceiro
logo aí, habitava vida, do teu lado
é improvável que onde tu pisa não haja resquício de sangue derramado
em prol de um progresso que nunca foi teu
sujeito europeu pisou aqui
"como é possível que isso tudo não se torne meu?"
pensou
planejou
executou)
qualquer semelhança com o presente é só a roda da história
ainda escorrendo o sangue de quem caiu e cai por baixo dela
é difícil às vezes manter a fé na gente
quando tá aberto o olho cheio de sangue da memória
e se percebe que a vitória é
da violência
derrota amarga
luta incessante
o mesmo sol que brilha hoje brilhou quando caiu
cada corpo violado por cada mão estrangeira
que já tocou nessa terra brasileira
e falar de brasil, mano, chega a ser escárnio
adeus Pindorama, terra farta, de vida, de fluxo, de bicho, de planta e de gente
e também de sangue, suor e lágrima
porque paraíso é o caralho
é terra, planeta e a circunstância toda de ser humano
de ser gente
de ter no peito um coração que
sente)))
batizados conforme convém pra quem te consome
importados de terra distante
ignorantes por consequência
fizeram a gente de aparência
meteram a mão no que essa porra tinha de mais precioso: a vida real
não essa palhaçada de trocar tempo por papel
chegaram de arrasto, de intenção e propósito claros, brancos
a coroa da rainha virou enfeite em cabeça que infelizmente jamais caiu
só se fortaleceu depois de cada banho de sangue
derramado de cada ser humano que aqui antes existiu
é difícil manter a fé, irmã
na possibilidade de um mundo bom
quando cada grão dessa soja podre
é colhido ao nosso redor pra encher
o bolso de algum arrombado engravatado
o agro é pop só na puta que pariu
aqui o agro é disfarce
pra manter apagada a história que tu nunca viu
antes cano de escopeta
hoje cano de fuzil
antes araucária no chão
hoje moto serra abrindo caminho pro fim disso tudo
e que venha de uma vez
já foi sangue demais pra fora
hoje se sangra pra dentro até que não se aguente mais
essa roda de mais valia e exploração incessante
tamo tudo derrotado
só que nunca vamos parar de lutar
por quem caiu
por quem viu
por quem resistiu
por quem sangrou
por quem viveu e por quem morreu
e também por quem vive agora.
em pé vamos ficar
até todo mundo morrer
ou até esse mundo se tornar um lugar em que seja possível viver de verdade
falam de progresso sem falar no processo,
no extermínio, em cada retrocesso
em cada alma que partiu em nome do sucesso
de quem tá no lado errado da história
e aqui não vai ter relativização/
malemal vai ter rima
nem compaixão
meus antepassado chegaram aqui atrasado
tudo expulso de antiga terra, sem história de vida pra contar,
de passado a ser apagado
só o sonho de levar uma vida menos errante,
quem sabe mais radiante/
e só o que chegou até mim
não sei se por sorte ou maldição
foi a consciência de que nóis foi tudo deixado na mão
sei lá o que veio de lá
não sei bem o que compõe a história do meu sangue
só ouvi falar que algum chão que aqui já se habitou foi aos poucos levado embora
produto a ser vendido e comprado
concreto morto lá fora
desde lá de trás, gente do meu sangue já tirava a própria vida por não suportar existir
nesse lugar em que ou se resistia de cabeça baixa ou já se aprontava pra partir
é história de corda no pescoço, de tiro na própria cara, de desgosto,
de abuso de álcool e espancamento de mulher
que gerou alguém,
que criou alguém,
que deu à luz alguém,
que teve um filho com alguém,
que ensinou alguém
que cuidou de alguém
que virou refém
que foi forte, além da própria sorte
que foi mãe de pai e mãe meus,
que, de alguma forma, se tornaram eu.
e aí de repente,
tô aqui
contando a história da violência, da monocultura assassina,
da grilagem, da cobiça maldita
da desumanização da dor e do amor
herdei a cor dos assassino
e herdei a dor do campo de extermínio que essa porra toda foi
de viver vida errante,
de passado não muito distante
que vem me assombrar em cada noite de sono
tentando me convencer de que aqui não é pra eu ficar
eu morro
mas eu morro tentando
fazer disso aqui
um bom lugar
contei uma história comum desse tempo e desse lugar estranhos em que eu nasci
nativo desnaturalizado de terra que invadi
descompasso constante nessa dor que se manifesta
tipo vento que vem de porta aberta em dia de inverno
inferno.
e lá atrás, bem antes de mim,
sem saber bem de onde vinha,
o que acontecia,
pra onde ia,
chegaram até aqui então
e aí
cheguei até aqui agora
e esse livro eu vou continuar a abrir
escancarar pra parar de errar
libertar todo esse carma maldito
cada vez mais
até todo sangue derramado coagular
pro que tiver que fluir
poder só desaguar num mundo em que seja possível realmente habitar
viver
florescer
resgatar
terminar
em paz
diferente disso aqui que escrevi.